Sunday, August 31, 2008

as palavras 4'42''

Manuela de Freitas/José Mário Branco, para Camané (fado Paço d'Arcos)

São as palavras que eu digo
Meu abismo e meu abrigo
Partilha de pão e espanto
Lucidez que desatina
Chão sagrado onde germina
A semente do meu canto
São as palavras que eu digo
Meu abismo e meu abrigo
A semente do meu canto

Palavras a que eu entrego
Prazer e desassossego
Tormento e consolação
A quem pergunto e respondo
Quando me exponho e me escondo
Entre a crença e a razão
A quem pergunto e respondo
Quando me exponho e me escondo
Entre a crença e a razão

Palavras que reinvento
Meu desafio e sustento
Pedras de luz e de lodo
Companheiras do caminho
Maneiras de eu estar sozinho
Abraçando o mundo todo
Companheiras do caminho
Maneiras de eu estar sozinho
Abraçando o mundo todo

Palavras que só mereço
Se em troca do que lhes peço
Der tudo que posso dar
Se um dia as não merecer
Se um dia as não merecesse
Que as não consiga dizer
Que eu nunca mais as dissesse
E que eu deixe de cantar
E deixasse de cantar

Um dia se as não merecesse
Que as não consiga dizer
Que eu deixe de cantar

Um dia, se as não merecer
Se um dia as não merecer
Que as não consiga dizer
E que eu deixe de cantar

Friday, August 01, 2008

às vezes parece que deus tem o disco riscado!
não há quem levante a agulha e ponha o disco a andar mais à frente? uma nova música? hello?! uma música antiga? qualquer coisa que acabe com as provações parvas por que passam as pessoas que não merecem?
viva quem enlouquece nos momentos em que a loucura é útil! está vivo, provoca vida, faz nascer, e perdurar.
o meu sorriso de longe para quem um sorriso (insane) fizer sentido.

Monday, June 16, 2008

devoção ao lazer para trabalhar melhor

a partir de hoje cada momento sem trabalhar conta para o trabalho correr melhor - há que respeitar os momentos de lazer.
e há que poupar todas as palavras escritas fora da tese (que tentação!!)

Tuesday, June 10, 2008

raça, PR?

Mas ninguém acaba definitivamente com a palavra raça? Os antropólogos andamos há décadas a mudar o termo para etnia (como se vê, não tem adiantado muito); a explicar - fisicamente - que não há raças entre os humanos, uma vez que a espécie é só uma; a dizer - culturalmente - que as cores de pele têm a ver com a melanina; a contextualizar o termo, engavetando-o definitivamente nos regimes totalitários, abusadores de poder, ávidos pelo controlo sobre os outros; eu ironizo - a utilização do termo raça é, lá no fundo, inveja, uma vez que os utilizadores desse termo queriam era ter o tom de pele daqueles que dizem ter uma raça diferente.
De qualquer maneira, o PR já não sabe o que diz, coitado. É que a televisão só mostra a selecção, e depois dos 90 anos de Fátima celebrados este ano, o PR ficou confuso no tempo. Só tenho pena é do Camané, que não tem nada a ver com isto, e qualquer dia leva por tabela.

Monday, June 09, 2008

a minha rua e o euro

domingo de manhã, bue calor, na minha rua.
duas velhotas chegam ao seu carro, e embirram uma com a outra, como só os casais, os irmãos e os amigos de longa data se permitem embirrar (i.e., sem rancores posteriores).
e uma diz: então ontem, quem é que ganhou? e outra, quem é que ganhou o quê? e a primeira, o euro, portugal turquia, em que terra é que tu viveS? e a outra, ganhou portugal, quem é que havia de ser. pró queles ganham têm mais é que ganhar!

Friday, May 23, 2008

pedintes e moralismos outra vez

O metro é um lugar social. Uma senhora de 60 anos, na moda (uma permanente eighties), diz ao pequeno pedinte, "tu tens é de ir para a escola" e ele, "mas hoje é feriado", e ela, "ahn, não me interessa, não devias andar aqui a pedir". Ele e o irmão mudaram de carruagem e ouve-se o acordeão desafinado ao fundo. (eu também queria que ele andasse na escola e que não andasse há anos a juntar raivas contra pessoas que não olham, não dão, não nada)
E desde a Alameda até ao Campo Grande, veio a falar comigo, mal me deixando intervir, sobre os falsos pedintes, e que há uma senhora no Rossio que é deixada pela filha todos os dias a pedir e que a filha é bancária, e que há outro que dá cabo das crostas da perna, "nem sei como é que ele ainda não teve uma infecção", e eu só tive tempo, entre Alvalade e o Campo Grande, de deixar no ar uma pergunta fraquinha perante a impotência em resolver este incómodo dos metros e das ruas. o que é pior, perguntei, pobres que roubam ou ricos que roubam?

Monday, May 19, 2008

o tempo anda sempre. a pé, é verdade, mas anda. por isso demora a chegar num tempo em que se anda de carro e de avião.
se o tempo finalmente chegou a qualquer lugar, não tardará a partir. a pé, é verdade.
e enquanto se anda de carro ou de avião haverá que esperar depois como se fosse a pé percorrer a mesma distância.
quando se diz que o tempo é dinheiro, mente-se. quer-se apenas desviar a atenção daquilo que o tempo realmente é. o tempo é espaço percorrido. a pé, é verdade. mas é distância quando começa a andar e proximidade quando começa a chegar.

Thursday, May 15, 2008

O pedinte que fuma - e depois?

A Morais Soares é a rua mais agitada de Lisboa (de dia). Os passeios não são assim tão estreitos, mas as pessoas andam sempre a fazer figura de Mr. Bean atrás das velhotas, simulando facas para as matar porque andam devagar de mais. Outros passeiam-se em grupos sem reparar se quem vem atrás tem pressa ou não. Outros esperam sem ordem na paragem de autocarro, ocupando mais de metade do passeio. Resumindo, os peões não se compreendem mutuamente. Não há muitos pedintes, mas há pelo menos um de pernas esticadas - uma com coto, outra ainda comprida - que ocupam mais de metade do passeio. As pessoas conhecem-no como a um vizinho: ora ignoram ora cumprimentam. O senhor fuma o seu cigarrinho. Ponto.
Hoje ouvi uma senhora, que não lhe deu nada, dizer-lhe: "o cigarro faz-lhe mal", como quem diz, pois, anda a pedir, mas isso do cigarro não ajuda. Vamos lá ver: o cigarro faz mal a toda a gente. E há outras coisas que fazem mal, como ser paternalista e dizer estas coisas às pessoas, como se fossem crianças, como se não fizessem escolhas. O senhor que pede, vamos lá ver, eu até nem dou (só a quem mostra as suas artes na rua), não o estou a desculpar, mas que raio de autoridade tem a senhora para dizer o que faz mal? Ela sabe lá se ele já fumou 40 cigarros e agora fuma dois? Ela sabe lá se ele fuma dois em vez de tomar dois ansiolíticos por causa dos sonhos com a guerra? Porque é que ela não deixa estas frases para dizer aos seus (amigos, filhos)?
O senhor pedinte, que nos olha como quem nos quer conhecer e passar a dizer bom dia, com um coto na perna esquerda, que escolheu aquela rua para se instalar o dia todo fuma o seu cigarrito - e depois? Vai dizer à polícia?

Tuesday, May 13, 2008

Vaca - um, 1º de Maio - zero


Apesar de ser a cidade que dá nome ao primeiro 1º de Maio (que este ano fez 122 anos), Chicago dedicou-lhe uma escultura no lugar do crime apenas em 2003. O 1º de Maio não faz parte da identidade imediata da cidade de Chicago. Os guias turísticos privilegiam a arquitectura modernista e a dos arranha-céus nas suas diversas épocas, bem como o urbanismo. O grande incêndio do final do século XIX é também matéria prima da memória comum, especialmente a lenda do que atiçou o incêncio: estava uma senhora a ordenhar uma vaca de madrugada, com uma lamparina para ajudar a ver, quando a vaca dá um coice à dita cuja e o fogo começou. A vaca apenas foi ilibada da culpa no final dos anos 1990, num acto simbólico. Como se pode ver por estes dois exemplos, a construção da memória de Chicago parece ser recente, não fosse a cidade também recente, como todas as americanas. Por enquanto a vaca ganha ao 1º de Maio, mas a união recente de 150 sindicatos e o Mayday all over the (western) world ameaça incendiar a alienação orden(h)ada.

Friday, May 09, 2008

sears tower (103º andar)


uma pessoa vem de chicago, a cidade ventosa, e pimba, aqui também está vento e frio e às vezes as nuvens nem deixam ver para que ponto cardeal estamos voltados para não nos perdermos, como na cidade com menos ruas* que conheci até agora (acho).
aqui (Lx) as vistas mais altas, tirando as amoreiras ao fundo, ressaltam uma cidade à escala humana. espantosamente, em chicago, com duas das torres mais altas do mundo e uma data de arranha-céus na baixa da cidade (como se pode chamar baixa nestas cidades altas?), a cidade para lá da baixa tem também uma escala humana, bairros de casas de três pisos a perder de vista, em bairros sucessivos que apetece conhecer.
*tem menos ruas porque as que tem têm assim uma média de 10 kms de comprimento

Thursday, May 08, 2008

adivinha que cliché presunçoso é este*

os sentimentos não se controlam
não se controla o que acontece aos outros
ninguém é independente

saber estas coisas não implica saber viver assim

*resposta certa: só sei que nada sei

Monday, April 21, 2008

os escoteiros vão logo à braguilha

sexta-feira, restaurante cheio. bife à pimenta quase no fim. ainda bem que já tinha comido.
silêncio por um segundo. rapariga a dizer baixinho ai meu deus ai meu deus. está tudo virado para o meio do restaurante. está um tipo no chão, a sagrar do ouvido. caira sem amparo, do nada. está tudo a olhar. eu vai, meio segundo para apelar ao sangue frio, e viro-o de lado e depois desaperto-o. entretanto ele acorda e vai logo à braguilha, fechando-a e olhando para mim como quem diz o que é que estás a fazer. paciência para o que ele pensou. ele lá se levantou. a namorada chamou o inem a chorar. o empregado do restaurante limpou o sangue do chão a imitar calçada portuguesa. a ambulância chegou mais de meia hora depois. o grupo onde estava o tipo que caiu não jantou, ficou-se pelo pão e pelo paio. eu e amigos descemos a bica. eles diziam, pois pois, escoteira e tal, foste logo à braguilha, o rapaz até acordou logo.

Friday, April 18, 2008

Derby

às oito e dez da noite na quarta feira, cheguei à paragem de autocarro para esperar pelo 26 (sem guarda-chuva). às oito e vinte chegou o 16 e depois o 56, e depois o 16 e depois o 56, e depois dois autocarros "reservados". e depois o 16. eu queria o 26; lutando contra o pessimismo, esperei. às oito e quarenta comecei a vociferar todas as asneiras possíveis, passando por louca. às oito e cinquenta desisti. comecei a andar, sob a chuva, até à caixa multibanco. levantei dinheiro sempre a vociferar. a senhora que lá estava pareceu compreender. disse, esta chuva já não faz bem a ninguém. continuei a pé, já com dinheiro para o taxi, mas de taxi nem vê-los. andei desde a avenida de berna até à praça de londres, sob chuva, vociferando, compreendida pelos homeless, algo surpreendidos. apanhei o taxi vindo de um serviço, de certeza. quando entrei percebi logo porque é que a cidade deixara de funcionar - não foi pela chuva. o senhor do relato vociferava os passos dos milionários na "grama" molhada. o sporting perdia dois a zero. vai daí, já em casa, o sporting marca um, e outro, e outro, e outro, e outro. bem feita para o motorista (de certeza que era!) benfiquista do 26.

Wednesday, April 02, 2008

Não se faz isso

Ia muito bem no metro, hora de ponta, encostada à porta, quando reparo num cego e respectivo cão, daqueles lindos. Vai eu e pimba, festinha cão. E uma senhora, que quase me bateu na pecadora mão vai e diz, "não se faz isso. é um cão de trabalho". o cego, esse, não disse nada. e eu, ok, obrigada (pela lição). o cego saiu em roma, e de roma a alvalade a senhora explicou, é um cão de trabalho, são muito bonitos, mas não se pode, porque se muita gente o fizer, eles distraem-se do seu trabalho. ok, obrigada, sabia que era um cão de trabalho, mas não sabia que não se podia dar festas.
fez-me sentir como uma criança de cinco anos, repreendida por estranhos pela primeira vez, e como dormi pouco fiquei um vidrinho com a situação. quis dizer, em voz de birra mais o beicinho respectivo, que também quero um cão, ou um gato, para fazer festinhas, um pet de trabalho em minha casa, para ser bem alimentado e que, em retorno, se deixa afagar.

Monday, March 31, 2008

xana, és linda. é hoje que sai o 8 dos rádio macau

... a lua está longe e mesmo assim
dançar podemos sempre se quiseres...

Wednesday, March 26, 2008

investigadores que impedem outros de investigar

fui procurar um documento num centro de documentação. não estava disponível. a funcionária ligou ao último requisitante, que tinha levado o documento na altura do natal. o requisitante retorquiu que ainda precisava do documento. a funcionária disse, mas outras pessoas também precisam. venha devolver o dito cujo e, uma semana depois, quando a pessoa que precisa do documento o devolver a horas (ao contrário de si, seu parvalhão), pode voltar a requisitá-los. e ele, então mas não me pode dar mais uma semaninha agora? (agora é tarde, já teve três meses para ler!), não senhor, não pode, porque nunca chegou a justificar porque reteve em casa tanto tempo o documento. eu acenava, contente com a funcionária, e acenava de novo, confirmando que devolveria o documento uma semana depois.
na biblioteca do iscte agora pagam-se multas por cada dia de atraso. a repressão é lixada. a funcionária deste centro não quer chegar aí, e por isso ralha aos faltosos, que vão retorquindo pedidinhos e favorzinhos.

Monday, March 24, 2008

joão manuel serra, o senhor do adeus


Tudo isto é solidão? (perguntou-lhe a jornalista Ana Sofia Fonseca)

"Essa senhora é uma malvada, que me persegue por entre as paredes vazias da casa. Para lhe escapar, venho para aqui. Acenar é a minha forma de comunicar, de sentir gente."


a imagem é de um blog que se chamava culto da ostra

Saturday, March 22, 2008

Rui Marques, o salvador da pátria

O Rui Marques foi meu patrão e não é mau patrão. Ele tem a candura das pessoas "boas", e depois é muito clean, diz coisas acertadas com a época, sabe o que faz. Anima os demais colegas a trabalhar em causas, privilegia os valores ausentes, não alinha em conversas passadistas.
Agora o Rui Marques está a juntar forças para fazer um partido, um bocadinho apartidário, um bocadinho ao centro mas contra o centrão, um bocadinho católico e um bocadinho revolutionary friendly.
É provável que o Rui Marques seja o que o tuga médio (passo o deslize arrogante) deseja para animar o país. É provável que ele ganhe muitos votos. É provável - temamos - que seja ele o D. Sebastião, o salvador da pátria como "todos gostamos". É só esse o problema. De resto, o Rui Marques não faria mal a uma mosca.
O Rui Marques, para todos os efeitos, vai ser um teste à memória do tuga médio (passo de novo o deslize arrogante). Será que alinha logo de xofre, ou será que pára para pensar que isto dos heróis é melhor desconfiar?

Thursday, March 20, 2008

manhã ventosa

saí de casa de manhãzinha, sem vontade nenhuma. mas porque é que não se respeitam as "vontades nenhumas"??
apesar de tudo, contente. ia fazer o passaporte electrónico, disseram-me que era necessário para is aos states (onde espero ir em breve). lá fui ao governo civil. afinal não era preciso. porque o meu passaporte tem "leitura óptica". óptimo, gastam-se menos 60 euros (podia era ter ficado a dormir mais uma horinha, ou a trabalhar). next.

buscar o resultado da ecografia na super eficiente CREAR, muito conhecida em Lisboa, fazem-se lá muitas análises. estaria pronto hoje. afinal não. está tudo atrasado 48 horas.
"então e porque não avisaram, para que serve o número de telefone que vos damos?"
sem resposta.
"quero escrever uma reclamação" (para não desatar aos berros).
se puder vir cá a seguir ao almoço, disse a senhora, talvez já esteja pronta.
"talvez?!", tentando - sem efeito - não elevar a voz. A senhora telefona não sei a quem. Depois:
sim, se puder vir, disse a senhora, pode levantar a ecografia às14:30h. E lá saí eu, beneficiada por ter reclamado o meu direito. next

na rua, a andar, vou falando sozinha. vociferando contra a CREAR. aproxima-se uma senhora que também vocifera. sentiu-se acompanhada, talvez. Ela pensava alto contra a ventania, e disse(-me) junto à passadeira: Vem lá da Espanha [o vento]; morreu pr'aí algum galego ou quê? Eu sorri. next.

sentei-me no metro e confirmei que realmente tinha morrido um galego, no livro que estou a ler (A Morte do Decano, do Ballester). ao menos que haja um evento destes num dia ventoso em que as actividades escolhidas nos saem todas falhadas... next.

ISCTE. Tenho coisas para devolver, até hoje, num centro de documentação. Fechado. na faculdade evito pensar alto. controlei-me. next.

ginástica. Finalmente algo para relaxar. Yoga. Mas não, afinal. Período de férias, explicou-me a funcionária, depois de me ter deixado entrar, vestir o equipamento, bater com o nariz na porta da sala. next.

a paragem de autocarro tem um mostrador com o tempo de espera há 6 meses, mas nunca chegou a funcionar. Vocifero. Para que serve aquela porcaria? não sei se tenho tempo para ir à padaria afogar as mágoas num pão com chouriço ou não. Arrisco ir à padaria. Fila. E não há pão com chouriço quando chega a minha vez. What else?

apanho o autocarro pretendido séculos depois, e engano-me na paragem, distraída com a manhã ventosa, a acabar. Já em casa, onde estou, o meu teclado é um saco de boxe. já não vou buscar exame nenhum às 14:30h.

Tuesday, March 18, 2008

shatush


este é o blog da minha tia ana,
que faz uns caxecois e luvas
e abat-jours e colares, e outras coisas,
tudo lindo

Monday, March 17, 2008

engraçado, o meu pai também me disse uma coisa parecida

"(...) Todos os grandes compositores estão a dizer-nos com os seus acordes e melodias - e até nos silêncios entre as notas - que a vida é longa, mas não tão longa como nós julgamos ao princípio. E que também vai ser muito mais dura do que alguma vez imaginámos; por isso, devemos criar toda a beleza de que formos capazes enquanto cá estivermos e ajudar todas as pessoas a quem amamos a fazer a mesma coisa. Também devemos ouvir-nos uns aos outros da mesma forma como os ouvimos a eles - e isso é muito, muito importante. E devemos ter a coragem de lutar contra tudo que comprometa a nossa própria beleza ou que, de alfguma maneira, a possa prejudicar. Todos os compositores verdadeiramente grandes estão a preparar-nos para vivermos correctamente e a dar-nos coragem para seguirmos com as nossas vidas o melhor que pudermos, mesmo que tenhamos cometido os erros mais imperdoáveis (...)"
Do Meia-noite ou o princípio do mundo (p.533), do Zimler
(fim de ciclo)

Att:
1) beleza, leia-se arte ou criatividade
2) grandes compositores - incluam-se os actuais

Friday, March 14, 2008

não esquecer

comparar infelicidades é um exercício inútil

Wednesday, March 12, 2008

(e é outras coisas também)

mas a luísa não vai, porque uma cidade é uma cidade. não é um coração à espera. quando muito, uma cidade é um coração que (des)espera.

Tuesday, March 11, 2008

carta para a luisa (ficção sobre o que eu gostava que fosse)


luísa,

não hesites. viaja até à terra para onde ele fugiu quando achou que era agora ou nunca. vai lá, diz-lhe poucas e boas, desta vez cara a cara. diz-lhe como deixarias tudo para estares com ele de novo; não tenhas medo - ele é que vai ter medo. mas dá-lhe as cartas todas, desta vez em mão.

vai, e quando ele abrir a porta beija-o na boca e deixa-o de rastos. não te importes com os "casos" dele, isso não é nada comparado com a espera que ele tem aguentado. é isso que ele espera de ti. e tu, o que esperas? vai e fá-lo perceber o que perdeu ele este tempo todo. os teus olhos, sobretudo, foi o que ele perdeu. porque se ele visse os teus olhos quando falas dele, podia perceber que a língua em que ele fala agora não tem palavras suficientes para explicar o que é difícil.

(roubei a imagem do google, claro)

Monday, March 10, 2008

www.phdcomics.com*

*graças à ana claudia, que me indicou este site, posso rir-me de mim mais vezes. não que eu perceba esta equação, longe de mim, mas para a imagem ainda lá chego

Friday, March 07, 2008

nunca mais o para sempre e o nunca mais

contra as palavras infinitas, uma apologia das palavras do zero. também é radical, mas é um bom princípio, para que as palavras dos números pequenos surjam naturalmente, aos poucos, sem desejos de infinito.

agora, nunca digas nunca tem um novo sentido: não é só que é mais provável que venhamos a fazer algo que dissemos um dia que nunca viríamos a fazer;
nunca digas nunca é uma cautela, contra a vertigem do definitivo. (a queda é grande). não digas nunca, porque estás a alimentar projectos de eternidade, para nunca e sempre mais.

para o dicionário das palavras do zero, começo por começo, ainda, e passo. (Porque) começar é a possibilidade, ainda é ainda ser possível, e passo é um de cada vez, como os dias.

Thursday, March 06, 2008

a locomoção

é bom que o único primata homo à face da terra seja sapiens, e tenha boas ideias como as muletas. e que não despreze os outros elementos que não podem mover-se como os demais, ao ter inventado a fisioterapia e as relações de amizade. gosto de ser sapiens. embora às vezes não me sinta sapiens sapiens. agora estou sapiens "lens"
:-)

Tuesday, March 04, 2008

Escultora: Gertrude Alice Meredith


pseudo-antropologia da cantina

Quando vou almoçar sozinha, tenho a tendência de olhar para as pessoas lembrando-me do facto de que pertencemos todos à única espécie humana de primatas. Como tal, partilhamos muitas coisas com muitos outros primatas, e diferimos do chimpanzé e do gorila em pequenos (alguns dizem que são grandes) pormenores genéticos. E, como tal, há uma infinidade de gestos que não são senão de tentativas de cativar, de manter a atenção dos insterlucotores, distracções ilustradas com pequenos gestos comuns, indiferença, satisfação, medo, insegurança, desconfiança. e depois há os apaziguamentos (atitudes agonísticas) que fazem manter tantas relações, necessárias para tantas coisas.

Mas aprofundemos a imagem de nós como só mais um primata (esqueçamos a parte homo, façamos de conta que somos qualquer coisa sapiens). Todos as invenções, desde a mesa da cantina com uma grade em baixo para pôr mochilas (que ninguém repara) à verbalização da necessidade de reposição do azeite nas linhas de tabuleiros, são adaptações, nada mais. Tudo para viver um pouco melhor (apesar dos enganos) e todos a viverem uma vida de uma espécie que um dia desaparecerá como já desapareceram tantos primatas (e só sobrou um da espécie homo, fazendo acreditar que somos o último). É impossível abarcar esta perspectiva sem nos afastarmos de tudo o que parte da consciência, ou do pensamento. Mas é possível imaginar, apesar da consciência de cada um, que estamos de fora disto a olhar para uma espécie em vias de extinção. É difícil imaginar, tendo em conta o efectivo real desta espécie. Somos muitos. Mas se andarmos para a frente um bocadinho, só um bocadinho - pode ser 10 mil anos, ou quem sabe nem mil - e se fingirmos que somos doutra espécie, a olhar para esta, é esquisito:

lá está o homem a pavonear-se para a mulher e vice-versa. lá está a mulher a tentar manter uma amizade com um elemento do mesmo género. lá está a criança a chamar a atenção dos pais. lá estão aqueles machos e aquelas fêmeas a disputarem lugares de destaque nos seus diferentes grupos. lá está aquele casal a mostrar que é um casal. lá está alguém, a afastar-se sem coacção de um grupo que já não o vê como alguém do grupo. ou coagido. lá estão aqueles a mostrar a outros o que fazem e como fazem, e os outros que os copiam. lá está, tanta coisa que pode ser só isso, uma função biológica ilustrada de cultura (em dinâmica permanente, em dinâmica permanente, em dinâmica permanente)

Monday, March 03, 2008

Os barulhinhos da cafeteira italiana

Estava a tomar o pequeno-almoço quando a minha máquina de café começa a fazer um som, sozinha, já depois de verter o café na chávena. Tipo a pingar. Desmanchei as três partes, tirei as borras do café ainda a ferver para o lixo, despejei a água que ficara no reservatório (em excesso, porque tem andado a funcionar mal), e deixei-a a pousar no lava-louças, desmembrada. E não é que, voltando a sentar-me e a tentar ler o pouco que conseguira ainda do jornal, a máquina volta a fazer o som? "A minha máquina de café não está boa da cabela", disse, alto, felizmente sem ninguém para ouvir. Fui outra vez ao lava-louças, separei mais as partes da máquina. Era óbvio agora que o som vinha daquela parte da máquina onde se põe o café, tornando óbvio também que a parte que não estava a funcionar bem, e que por isso só faz metade do café que é suposto fazer. Tentei, então, enquadrar este acontecimento (em silêncio, pelo sim, pelo não):

(1) a máquina de café italiana do IKEA faz parte do sindicato das máquinas de café e ficou chateada por eu andar a dizer mal da Nespresso, uma sua companheira.
(2) ou então, se bem me lembro a máquina deixou de funcionar quando se acabou o café do Comércio Justo e fui comprar café capitalista. A minha máquina é solidária!

Quando a máquina deixou de funcionar bem, troquei-lhe a borracha, que o IKEA fornece em duplicado. Fiz um "circuito" só com água (sem café) e funcionou bem. Mas com o café, não faz mais do que metade. Tentei desentupir o que poderia ser entupível (diz-se?), confirmei que saía água de todos os buraquinhos da parte do reservatório que parece um chuveiro, voltei a fazer "circuitos" só com água - impecavelzinha, como diria a minha ex-sogra - e o café continuou a subir só pela metade. Agora, depois dos barulhinhos e da personificação definitiva da máquina de café*, agora já percebi - a máquina percebe-me. Ela sabe que eu só devo beber meia cafeteira, que o café em excesso faz-me mal.

E agora já percebi porque se guardam as cafeteiras italianas nos armários quando deixam de funcionar. Mas se a guardar, desculpa lá cafeteira, mas não vou comprar uma Nespresso, embora prometa que não volto a dizer mal. Eu gosto de moer o café e do som do "circuito" do café.

*seguindo a sugestão de personificação de uma caixa esburacada deixada no lixo, por Gonçalo M. Tavares, última Visão (28.02.2008)

Tuesday, February 19, 2008

barrancos 1991

o passado é um país estrangeiro, disse alguém com grande sabedoria. visitar o passado nem sempre é mau. parece haver uma mania anti-nostálgica... é verdade que não regressar desse país é demais - como é demais imaginar muito o futuro.
finalmente dei-me um visto no passaporte para visitar esse país. lá, ando de terra em terra em poucos segundos.

há 17 anos fiz o meu primeiro mini-trabalho de campo etnográfico. em barrancos. estava apaixonada, por isso não me lembro do frio. o sting tinha editado um album a solo, que eu ouvia sistematicamente - fields of barley era o que tinha pela frente, enquanto apanhava vento numa boleia de pick up da amareleja para barrancos. levávamos dois rolos de fotos a preto e branco e um a cores. os a preto e branco foram à vida. a meio dos três curtos dias, vieram ter connosco dois amigos que iam fazer rapel pró castelo de noudar. só visto. nós não vimos, porque estávamos a entrevistar alguém. eles deixaram-nos um recado malicioso junto dos sacos-cama, como quem diz, "pois, pois, trabalho de campo e tal...", um papel cheio de desenhos e indirectas. onde está? para que saibam, era só mesmo trabalho de campo
(mas tanto o trabalho como as noites em directa a ouvir o meu parceiro dormir tornarar-se-iam pequenas regiões do passado para visitar com calma)

ao terceiro dia, levaram-me um pão doce para o pequeno-almoço, mas dali a meia-hora estávamos a re-experimentar a hospitalidade dos barranquenhos com uma mine matutina. nos dias anteriores, levaram-nos de pick up a todo o lado - aos fornos de tijolo, de carvão, de cal; à pedreira de xisto rosa; às obras em casas que levavam o precioso xisto. mostrávamos as nossas filmagens nos bombeiros, que nos tinham dado guarida. vimos montanhas de azeitonas por comer, soubemos de histórias locais, contaram-nos sobre os touros, mostrando a praça quadrada, e sobre passar a fronteira a salto com café às costas.

é bom poder visitar esse país, repescar as sensações, os cheiros (estevas!), mesmo sem fotos a preto e branco.

Friday, February 15, 2008

o mel é a luz do sol materializada*


*esta ideia está no Meia-noite ou o princípio do mundo, do Zimler (sim, ainda não enjoei)

Thursday, February 07, 2008

ode ao sol e ao sal

provérbio: "nada mais é útil do que o sal e o sol"
alguém me disse um dia: comer uma rodela de ananás é como comer uma fatia de sol
e agora lembrei-me, o sal é um sinal de mar e do mar

Tuesday, January 29, 2008

vuit, vuiuu

já não bastava a poluição sonora comum (ordinária em ambos os sentidos), agora temos poluição sonora extraordinária (em ambos os sentidos também) de 20 em 20 segundos, em qualquer anúncio da sagres perto de ti.

Friday, January 25, 2008

Queridas vacas açoreanas,

Lamento muito que tenham obrigado metade de vós a deixar de produzir o vosso maravilhoso leite há uns anos atrás. Parece que a Europa andava a produzir muito leite e decidiram que vocês ficavam melhor na paisagem do que com dispositivos sugadores de leite. Em parte até é verdade. Mas afinal a Europa não produziu assim tanto leite e agora o leite vai aumentar outra vez (parece que há outras razões, mas essas não compreendo porque - acho que - fazem de propósito para manter algumas linguagens muito distantes da compreensão dos comuns mortais).

ps: gozem as paisagens por mim e evitem os matadouros - diz que é pior do que dar vazão ao leite. por mim, vou comprar uma palete de leite antes do 1 de fevereiro, dia em que o leite aumenta 10 cêntimos...

Friday, January 18, 2008


O Zimler respondeu-me! Afinal há pessoas conhecidas que lêem emails grandes dos seus admiradores. Foi muito simpático!

Vou comemorar na Astro e passar à beira da Igreja da Madalena, a Sétima Porta de uma certa Cabala...

Thursday, January 17, 2008

Carta de agradecimento a Richard Zimler

Caro Richard Zimler,

Só pelo facto de lhe escrever, sinto-me honrada e meio envergonhada, tendo em conta que o Richard escreve tão bem. Adiante.
Não li todos os seus livros. O primeiro que li foi Goa, ou o Guardião da Aurora, que foi daqueles livros que me dão a sensação de estar a ler o melhor livro do mundo. Quando leio um livro destes não descanso enquanto não consigo encontrar pelo menos mais um leitor, animando-o a ler a fantástica obra que acabei de ler. Assim fiz.
Recentemente li À Procura de Sana, uma história que, inesperadamente, me ajudou a encarar alguns sentimentos que ainda não ousara, desde a morte recente de um amigo. Felizmente tenho a pastelaria Astro perto de mim para matar as saudades (e a gula).
E, um livro depois, doutro autor (que, já agora, e por acaso tem - também - um violoncelista em pano de fundo), li A Sétima Porta. Não costumo ler livros com mais de 400 páginas porque tenho sempre a sensação que não irei chegar ao fim. Mas este livro foi-me oferecido no meu aniversário, por um amigo que já leu todos os seus livros, e a quem acabei de emprestar este último, depois de terminado.
Com A Sétima Porta, reiterei a minha teimosia em não ter lido as “procuras do Santo Graal”, como lhes chamo, que abundam nos mo(n)struários das livrarias. Reiterei ainda, que a leitura pode ser fácil, sem ser light.
Recentemente, numa das conversas de cantina da universidade, uma colega – que admiro – diz, reportando-se ao Richard, que eu elogiava, que “esse é daqueles escritores de best sellers?”, mas disse este termo como se fosse o mesmo que literatura light. Como não sou muito assertiva, não lhe referi algumas das obras literárias mais fantásticas da história que se tornaram best sellers. E, não o fazendo, tive dificuldade em responder-lhe à letra. Disse-lhe que para quem passava muitos dos dias a ler coisas complicadas (como nós, investigadoras em antropologia), era bom encontrar romances como os seus. Disse também outras coisas de que não me lembro.
Bom, queria dizer-lhe isto e enviar-lhe um grande bem-haja o teclado do seu computador ou a sua caneta, ou ambos.
A Sophie é a única personagem central possível na Berlim dos anos 30. Fico com tantas saudades do Hansi, da Vera e do Isaac depois de fechar o livro… Acho que vou oferecer A Sétima Porta, este ano, a todas as pessoas para quem era tão importante ler este livro. Não são alemãs, nem judeus. Só pessoas que sofreram com o cancro dos pais, com a morte de um companheiro, com o olhar desaprovador dos outros. E todas as pessoas que já se esqueceram do que é ser adolescente, e da beleza da sua força (em todas as direcções). E pessoas que amam Berlim e as cidades com histórias fortes, e que sonham desembarcar em Istambul, como eu, e ficar a olhar o Estreito do Bósforo até não aguentar mais.
Felizmente tenho a Igreja da Madalena perto de mim para matar saudades.
Obrigada pel’ A Sétima Porta.

Monday, January 14, 2008

Rilke, transcrito por Zimler, na Sétima Porta

Todas as coisas são os corpos dos violinos, cheios de uma escuridão murmurante;
lá dentro há sonhos das lágrimas das mulheres, lá dentro remexe, enquanto dorme,
o ressentimento de gerações inteiras...
Eu espalharei prata: e então, tudo o que está sob mim passará a ter vida,
e aquilo que nas coisas erra [,] lutará, procurando a luz...

Este é um poema de R.M.Rilke, n'A Sétima Porta, o maravilhoso livro de Zimler sobre os anos 30 em Berlim, onde se descobre a história da personagem central, e narradora, uma adolescente lutadora (só uma adolescente lutadora sem noção de algumas coisas mas com tanta noção de outras poderia ter tanta força e poderia ser tão credível na sua força para aquela fase de Berlim...)

É mais um testemunho de que a liberdade de pensamento é a mais importante - tanto na história que é contada como na forma como é descrita.